✍🏼 Monteiro Lobato
O conteúdo desta página foi retirado de ALVES e MARTIN (2016) (pp. 96-98).
Monteiro Lobato: o Brasil passado a limpo
Homem atuante, Monteiro Lobato afirmava que “um país se faz com homens e livros”. Encantou-se desde cedo com o prazer e as possibilidades que o mundo da leitura apresenta e elegeu a escrita como uma de suas principais atividades ao longo da vida. Seu papel como editor foi determinante para a ampliação do acesso à leitura no país.
José Bento Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, interior paulista, em 1882. Formado em Direito, trabalhou como procurador público e colaborou com a imprensa. Em 1911, herdou a fazenda Buquira de seu avô, o visconde de Tremembé. Em 1918, comprou a Revista do Brasil e fundou a Editora Monteiro Lobato. Em 1925, fundou a Companhia Editora Nacional, que foi a pioneira das grandes editoras brasileiras, e, posteriormente, participou da fundação da Editora Brasiliense. Em 1948, morreu em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC).
Também foi influente na cultura brasileira, não só como escritor, mas como um intelectual que se propôs a pensar o Brasil. Produziu obras de literatura infantil e empenhou-se em oferecer às crianças um contato com o folclore brasileiro, numa época em que a maior parte dos livros infantojuvenis era estrangeira e apresentava uma linguagem pouco flexível e adaptada a esse público leitor.
[…] a Monteiro Lobato & Cia. publicou diversos livros didáticos, gramáticas, aritméticas, cartilhas e, cada vez mais, livros infantojuvenis, estes, na verdade, majoritariamente de autoria do próprio Lobato. Descontente com a má qualidade dos títulos disponíveis no mercado destinados às primeiras letras – boa parte deles literatura estrangeira –, Lobato decide ele mesmo escrever para crianças. […]
Novos autores, obras com temas nacionais e na ordem do dia, distribuição competente e divulgação sistemática das publicações, edições de boa qualidade e apuro gráfico, diversificação e segmentação de públicos constituem, enfim, um conjunto de aspectos na base do sucesso do empreendimento editorial de Lobato, que conduz a vendas e tiragens dificilmente imagináveis pelos profissionais do livro, no Brasil, até o início da década de 1920. […]
CECCANTINI, João Luís. De raro poder fecundante: Lobato editor. In: LAJOLO, Marisa; CECCANTINI, João Luís. (Org.). Monteiro Lobato livro a livro. São Paulo: Unesp; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 77-78.
Como escritor de literatura adulta, produziu não apenas contos regiona- listas, como também artigos que tratavam de assuntos do interesse do Brasil, como a reprovação às queimadas na agricultura e a defesa da busca por petróleo no território nacional, num período em que a descrença dominava. Polêmico, criticou duramente a exposição da artista plástica Anita Malfatti, em artigo publicado no ano de 1917. Lobato deixou como herança uma obra ao mesmo tempo moderna e conservadora, mas que não se furtou aos desafios de seu tempo.
Esse traço conservador/renovador marca a obra adulta de Lobato. Sua prosa apresenta certa ousadia, especialmente temática, mas ainda mantém um caráter convencional, tradicional, seja na forma, seja na linguagem.
O cenário dos contos lobatianos é quase sempre o mesmo: Itaoca – uma cidade no Vale do Paraíba, onde se encontram as chamadas “cidades mortas”, devastadas econômica e ambientalmente pela monocultura de café. A Itaoca de Lobato é uma cidade decadente, marcada pelo atraso e por disputas políticas. O tom dos contos é muitas vezes moralista, como se o escritor se esfor- çasse por levar o leitor a partilhar de sua indignação pelo descaso das autoridades diante de temas que ele considera de interesse nacional: como melhorar a qualidade de vida dos moradores dessas cidades? Como convencer o homem do campo a cuidar da saúde, a ser mais ativo e organizado na lavoura? Como convencer os agricultores de que a queimada prejudica o solo? Esses são as- suntos que Lobato se propôs a discutir em seus escritos, de modo às vezes inflamado, às vezes irônico.
Monteiro Lobato, como escritor, comprometeu-se com temas de interesse nacional, partilhando com Euclides da Cunha e Lima Barreto o empenho pré-modernista em investigar e entender o Brasil. No caso de Lobato, esse interesse tem um tom didático: o escritor pretendia mesmo passar o Brasil a limpo.
Nesse esforço “reformatório”, Lobato criou um personagem símbolo, o Jeca Tatu, em quem ele concentrou o estereótipo da ignorância, da preguiça e da acomodação. Inicialmente apontado como o responsável por seus problemas, Jeca Tatu foi absolvido quando Lobato percebeu que questões sanitárias e de saúde pública eram responsáveis pela situação em que viviam os vários jecas-tatus que povoavam o Brasil.
Se o universo rural de Itaoca e do Jeca Tatu é foco de críticas e de uma tentativa de transformação do status quo, o Sítio do Pica-Pau-Amarelo, espaço central de suas narrativas infantis, é o lugar da utopia, no qual os embates se resolvem de forma amigável. Mesmo os conflitos de cunho escravocrata são aplacados por meio do afeto: os personagens negros, Tio Barnabé e Tia Nastácia, figuram como uma espécie de herança cultural e, ao mesmo tempo que compõem o cenário do sítio, perpetuam passivamente a situação de mando vivida até fins do século XIX.
Essa alternância entre o moderno e o conservador marca a obra de Lobato e explica seu descontentamento ante o Modernismo, que iria prevalecer a partir de 1922.
Entre as principais obras ficcionais adultas de Monteiro Lobato podem ser citadas Urupês (1918), Cidades mortas (1919) e Negrinha (1920). No rol da muitas obras infantojuvenis, merecem destaque, entre tantas outras, Reinações de Narizinho (1931), As caçadas de Pedrinho (1933), Emília no País da Gramática (1934) e O poço do Visconde (1937).
A infância reinventada na obra de Monteiro Lobato
Ao criar o universo fantástico do Sítio do Pica-Pau-Amarelo, povoado por crianças curiosas e seres mágicos, Monteiro Lobato foi responsável por estabe- lecer um novo padrão na literatura infantojuvenil brasileira. Contrapondo-se a uma literatura incipiente, sisuda, linguisticamente tradicional, a escrita de Lobato trouxe a fantasia, o lúdico e o didático a um nível artístico capaz de se- duzir leitores por décadas. O pensamento arrojado do autor que buscava reformar o Brasil aparece representado na figura da boneca Emília. Contestadora e irreverente, ela encar- na o espírito lobatiano, nunca se conformando com o estabelecido, guiada pelo prazer da descoberta e pelo desejo de reformar o mundo, de suplantar o senso comum. Paralelamente ao desvendamento do universo folclórico do país, habitado por sacis, cucas e curupiras, a obra de Lobato se dispôs a apresentar a tradição europeia para as crianças brasileiras. Contos de fada, mitos gregos, as histórias de Pinóquio, Peter Pan e Dom Quixote são algumas das narrativas que o leitor conhece por meio dos serões de Dona Benta.
Nesse ritual de contação de histórias, Lobato reescreveu os textos ao seu estilo, abrasileirando-os. Com linguagem original, recheada de coloquialismos, suas narrativas retomam os textos tradicionais e os ampliam, numa atualização que aproxima os jovens leitores ao mesmo tempo em que os conduz à reflexão e privilegia a formação do senso crítico.
Na esteira de Lobato, outros escritores ganharam destaque escrevendo para crianças e jovens, entre eles Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Lygia Bojunga, Ana Maria Machado, João Carlos Marinho e Ruth Rocha.
A infância reinventada na obra de Monteiro Lobato
Ao criar o universo fantástico do Sítio do Pica-Pau-Amarelo, povoado por crianças curiosas e seres mágicos, Monteiro Lobato foi responsável por estabelecer um novo padrão na literatura infantojuvenil brasileira. Contrapondo-se a uma literatura incipiente1, sisuda2, linguisticamente tradicional, a escrita de Lobato trouxe a fantasia, o lúdico e o didático a um nível artístico capaz de seduzir leitores por décadas.
1 incipiente: que está no começo, principiante.
2 sisuda: séria, circunspecta.
O pensamento arrojado do autor que buscava reformar o Brasil aparece representado na figura da boneca Emília. Contestadora e irreverente, ela encarna o espírito lobatiano, nunca se conformando com o estabelecido, guiada pelo prazer da descoberta e pelo desejo de reformar o mundo, de suplantar o senso comum.
Paralelamente ao desvendamento do universo folclórico do país, habitado por sacis, cucas e curupiras, a obra de Lobato se dispôs a apresentar a tradição europeia para as crianças brasileiras. Contos de fada, mitos gregos, as histórias de Pinóquio, Peter Pan e Dom Quixote são algumas das narrativas que o leitor conhece por meio dos serões de Dona Benta.
Nesse ritual de contação de histórias, Lobato reescreveu os textos ao seu estilo, abrasileirando-os. Com linguagem original, recheada de coloquialismos, suas narrativas retomam os textos tradicionais e os ampliam, numa atualização que aproxima os jovens leitores ao mesmo tempo em que os conduz à reflexão e privilegia a formação do senso crítico.
Na esteira de Lobato, outros escritores ganharam destaque escrevendo para crianças e jovens, entre eles Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Lygia Bojunga, Ana Maria Machado, João Carlos Marinho e Ruth Rocha.